ENSAIO - A Poesia Brasileira e a Nova Utopia

O atual momento da poesia no país se caracteriza por não trazer uma marca, um estilo literário próprio que defina o período. Talvez a grande marca seja mesmo a diversidade e o compasso de espera para uma nova fase, como uma etapa de maturação necessaria.

De certa forma, isto desfavorece o seu desenvolvimento da poesia contemporânea, pois a não colocação do problema (ou colocação como problema) da contribuição cuivilizatória da poesia, não fixa objetivos em torno dos quais se possa evoluir a reflexão critica necessária a qualquer processo cultural.

Existem hoje dezenas de pequenos grupos de poetas anônimos, conhecidos entre seus pares, conhecidos em um segmentos de referencias indermediárias, etc, que lutam de forma quase clandestina para mostrar a sua produção, contra o desinteresse das editoras.

Estes grupos festejam a redescoberta do fazer poético como meio de sensibilização. Varias experiências de qualidade estão sendo geradas (no Rio de Janeiro existem mais de 60 destes grupos), em um retorno aos saraus e "happenings" que foram característicos dos anos 70.

Por mais alvissareiro que seja este contexto, não parecem ainda ter encontrado um caminho valido para a afirmação de novo patamar para a poesia, e temo que estejam (generalizando) prisioneiros de uma excessiva alegria, da plasticidade da experiência, centrados em encontros voltados para uma oralidade performática teatral, que incorpora poesia, mas também desloca o foco do trabalho que parece necessário, entendendo a literatura (a poesia) como a mais alta das artes, pelo papel que desempenha na formação e renovação da línguagem.
Está faltando o trabalho da dor, que impulsiona a criação, da qual nos falava Clarice Lispector. Os grandes poetas nacionais, com efetiva presença no espaço institucional, de certa forma tem sido os mesmos que ocuparam a cena nas décadas anteriores e que se mantém, com as devidas referencias ao tempo presente, fiéis aos seus estilos originais, divididos entre uma poesia contida ou derramada. Temos no primeiro plano, Ferreira Gullar, Gilberto Mendonça Telles, Antonio Olinto, Carlos Nejar, Manoel de Barros, Adélia Prado, Thiago de Mello, Afonso Romano, etc. Entre estes, há algum ensaísmo e atividade critica reflexiva, alem do que os seus próprios poemas refletem. Há também o time nascido da experiência da poesia marginal dos anos 70, herdeiros do Concretismo, do Tropicalismo, de Torquato Neto, Paulo Leminski e Wally Salomão, como Antonio Cícero, Secchin, Tavinho Paes, Carlito Azevedo, Fabrício Carpinejar, Geraldo Carneiro, Jorge Salomão, etc. Foram vanguardistas e hoje fazem uma poesia exemplarmente moderna, que funciona como uma certa crônica do cotidiano.
A não renovação no panteão da lírica literária, denota uma das dimensões da crise de perspectivas por que passa a cultura nacional (e global) numa era de transição de valores políticos e culturais.
A poesia, como elemento de compreensão e formação do espírito, perde substância e atuação para outras abordagens. Embora mantenha o interesse de certo público intelectualizado, a poesia deixou a muito de representar a referencia que já foi no país, quando nomes como Bilac, Augusto dos Anjos, Cruz e Souza, Drummond, Vinicius, Quintana, João Cabral, Bandeira, eram difundidos pelo sistema de ensino, e tinham quase a mesma visibilidade na mídia da época, que hoje é dada a uma “instant celebrity” da cultura de massas. Cada grande jornal nacional, tinha em sua folha de pagamentos, um poeta de quilate. A poesia quase desapareceu do horizonte da cultura nacional acompanhando a decadência acentuada do ensino e a emergência dos novos meios de difusão cultural, como a televisão e a Internet hoje, responsáveis em parte pela cultura do descartável. Vive-se um momento singular de renovação. Há a necessidade de se revisitar valores e ideologias, repensar praticas, refletir sobre a identidade nacional, o desenvolvimento social e o lugar do país no mundo, o que abre para o pensamento e a arte em geral, uma nova perspectiva. E nisto, creio, que a poesia terá papel especial em um momento em que outras abordagens, como a política partidária e a religião são obscurantistas e já não trazem em seu bojo a semente do futuro.
Ai está a poesia chamada de novo a cumprir um papel revolucionário, embora poucos sejam os poetas que busquem pensa-la desta maneira. É evidente que não se fala a favor de uma poesia panfletária, de baixa qualidade, mas, ao contrario, em investir em uma poesia de qualidade, que avance em reflexão temática, na linguística, etc, que impacte a necessária recuperação das estruturas educacionais.

A poesia deve entrar, como disciplina, nos currículos escolares. É preciso que os poetas abandonem a postura diletante, superem a vaidade que emperra e embota a criatividade e metam a mão na massa. A poesia foi a primeira forma de apreensão e sistematização do conhecimento no processo civilizatório ocidental. Foi a partir da reflexão poética que a humanidade pôde desenvolver as primeiras abordagens de novas disciplinas, como Retórica e Filosofia, esta ultima a mãe de todo o pensamento científico (quem leu a Poética de Aristóteles, viu o esforço de ordenação de um pensamento racional a partir dos achados da Poiesis).

Embora os filósofos tenham expulsado os poetas para a Arcádia, a poesia permaneceu como um instrumento iniludível para a educação dos espíritos, atravessando todas as eras da sociedade humana, por vezes assumindo papel de vanguarda na evolução social, haja vista a importância de poetas de renome para a formação social de suas nacionalidades, com Lorde Byron, Baudelaire, Mallarmé, Rimbaud, Shakespeare, Camões, Fernando Pessoa, Lorca, Ezra Pound, Whittman e Neruda. Em nosso caso, Castro Alves, Drummond, etc.

O que nos resta fazer? Muito. Todos os que somos verdadeiramente devotados à lida do fazer poético, temos o dever de repensar o nosso papel, o papel da poesia na contemporaneidade, trabalhando temas como o reencontro com o processo civilizatório, com a educação e a construção do homem brasileiro do 3o milênio, com a formação da sensibilidade e o aperfeiçoamento das relações humanas, o combate à violência e a intolerância, a justiça social e o desenvolvimento, a superação das estruturas arcaicas remanescentes, a introjeção da ética na política, a integração mundial da experiência poética, o favorecimento da formação de público leitor, a recuperação do senso de coletividade e da solidariedade social, a defesa do meio-ambiente, a busca da valorização do individuo, da vida simples, frente ao consumismo e a cultura de massas, etc. São inúmeros os temas que a poesia deve enfrentar através da escrita, ou de seminários, eventos de rua, ensaios, etc.

Este é o caldo de cultura para a emergência de um movimento poético que poderíamos integrar na categoria de Neo-Romantismo, um possível romantismo do século XXI, que tenha como mote a expressão vivificada dos sonhos de felicidade submersos em poeira desde as frustrações humanas com as primeiras revoluções industriais.
É preciso elevar a condição do homem moderno, celebrando a natureza humana e a vida em geral, de forma visionária e panteísta. Do ponto de vista da forma literária, deve-se introduzir e favorecer a subjetividade na concepção poética, buscando nos versos livres a forma didática da expressão de um lirismo moderno, cujo parâmetro podem ser Watt Whittman ou Fernando Pessoa. Porém, não há cânone a ser respeitado, e se deve buscar requisitar achados e recriar sob todos os outros estilos poéticos, como o Barroco, o Arcadismo, o Parnasianismo, o Simbolismo, o Naturalismo, o Modernismo, o Concretismo, com a liberdade de um tempo que tem necessariamente que ser uma síntese para e da experiência humana.

O Neo-Romantismo deve buscar reconferir dignidade critica a vida humana em sociedade, promover a criatividade e o conhecimento, promover o carácter revolucionário do amor entre os homens e do amor a natureza, o ideal democrático, ou seja: Pode e deve a poesia ter relação direta com a vida real, tendo o individuo como medida das coisas, mas um individuo que busque a integração positiva e rejeite a submissão a uma condição indigna.
O nosso poeta Castro Alves e seu Navio Negreiro permanecem vivos como inspiração. O poeta, como artista, por possuir uma sensibilidade aguçada e deter os instrumentos formais da lírica, nem que seja para os abandonar a seguir, sofre de forma ampla as auguras de seu povo e das indagações intimas e existenciais, e pode refletir possíveis caminhos de forma exemplar, sem dogmatismos, favorecendo a evolução da sensibilidade de todos. Com isto, a poesia se qualifica e assume a clara missão de sua utopia: A de nos tornar pessoas melhores!

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