A (Re)União do céu com o mar


Andava, eu, solitário, um poeta sem vantagem,
pelo calçadão do Recreio, no domingo, um passeio,
deambulando o pensamento, respirando a paisagem.

O sol intenso desta primavera, que, após dias, voltava d’outras plagas frias,à canícula já formava, fazendo empacar meu não-ofensivo passatempo,para olhar e pensar no mar.Não, o pensar como um onírico território,para qualquer poético devaneio, mas, num prosaico mergulho, com o poder de abrandar.

Fui levando o corpo, sem alívio, lá para a beira da praia.
- Que é isto, seu louco? (me repreende a razão bifronte,
quando me atiro de pronto, na água infinitamente fria).
- Queres, no choque, romper um vaso ?
- Queres ter um AVC?
Mergulhei, pensando no que eu podia querer?
Talvez, quebrar o acaso, este que une o mar verde ao céu azul,
pois as cores (sempre imaginei) são inevitáveis irmãs.
E de novo afundei a cabeça, ainda quente do sol.

Súbito, quando emergi, um susto: É como se visse um vulto,no longe, caindo, caindo, em vôo e vertical-mergulho.

Penso que podia ter tido uma visão de atavismo,tanto que, míope, duvido desta vista que inda apuro,e reage ao tonteio do mar.
Se o sol, que lá ia ao alto, tinha seu jeito próprio de ofuscar a visão,havia também o frescor, que fácil, poderia, no delírio do prazer e da fé,iludir e comover, para que a mente humana, pudesse ver mais do que é.

Mas, eis que meu olhar parado, n’algum ponto de alem-mar,fez-se infesto ao ceticismo cartesiano de minha mente, descrente,e no mistério, neófito, pude ver a gaivota, artesã laboriosa,mergulhar seguidas vezes para desfazer o meu mal-feito,chuleando o céu rasgado, reatando-o com o mar,e tendo para o pesponteio, toda a linha do horizonte.

Nenhum comentário: